sexta-feira, 28 de março de 2008

SURRUPIAVA A VOZ DO VENTO PARA IMITAR O JEITO DA NOITE FALAR (O decrépito que arrastava sua carcaça)




O decrépito arrastando sua carcaça, Hoje não passa de uma ração carcomida que alimenta o tempo, um dia valeu de forças maiores atribuídas de tal coragem.

Alimentava-se de veredas para desvendar sua eterna morada,
Seus constantes rodopios pelo espaço ao longo dos passos,
Bem criado, quando queria comer gritava a dona.

Surrupiava a voz do vento para imitar o jeito da noite falar,
E quando acordava e não via o sol rosnava como seu cão pulguento,
Cortava toras de madeiras que um dia vestidas de folhas serviram de sombras para
Os viajantes.

Deitava, e pelos furos nas telhas velhas via o céu carregado de pontos cintilantes,
Imaginava estar perto, mas quando sacudia a carcaça rolando pelo colchão de capim
Sabia que estava muito longe.

Empurrava os dias com as mãos calejadas, alimentava a criação e se nutria das cordas do velho relógio pendurado na parede suja de fumaça.
Guardava a palha, pois já sabia que ia chover.

E da janela cuspia pedaços de fumo que servia de consumo para as tardes sem rumo.
Montava em seu cavalo cinzento e galopava até não sentir mais lamento,
Abria a garrafa com o dente dava uma talagada e guardava o resto para outrora

Arrastava sua carcaça pela vastidão da terra altiplana, mas já sabia que a vida não era plana como o caminho que sempre seguiu, e quando reunia os mais jovens falava de tudo que lhe convinha.
Desde a labuta até a vinha, ensinava, respondia, lamentava e sabia que o fim um dia vinha.
E quando esse dia chegou, o povo chorou.
O decrépito abandonou sua carcaça
Já não mais respirava o ar da graça,
E no dia de seu enterro, ate seu cão pulguento.
Sentia tal sofrimento, latia com rouquidão.
Agora seu dono era parte de uma nova criação.
E na cruz cravejada na terra uma frase que dizia assim:
“Surrupiava a voz do vento para imitar o jeito da noite falar”



.,.,Romir Fontoura.,.,

ENVELHEÇO AO LUAR DEPOIS DOS RAIOS DE SOL (Sinto falta do que faz falta)



Envelheço ao luar depois dos raios de sol,
Sinto a força viva da alma morta de nossos antepassados,
Antes nunca tivesse passado por aqui, onde se lembra dos calçados, mas esquece os passos.

Sinto falta do que faz falta,
do brilho raro da bailarina empunhando seu aro,
do palhaço cheio de pigmentos coloridos que busca o sorriso preso no peito vazio,
do equilibrista que usa a corda como um caminho onde cabe só ele.

Envelheço ao luar depois dos raios de sol,
Sinto falta do cheiro da terra molhada, do espantalho que dali fez sua morada,
do par de botas que cobria os pés noduosos, dos casos dos idosos.

Sinto falta do que faz falta,
da serventia da casa, da mariposa e sua asa.
do correr do rio, do respeito da criança que não dava um pio.

Envelheço ao luar depois dos raios de sol,
Sinto a voz de um chamado, um tanto aclamado.
O corpo enlamaçado como lembrança de um tempo que já foi amado.

Sinto falta do que faz falta
da alma infantil, onde o sorriso do adulto era mais pueril.
E o velho não envelhecia sem espaço como um cão dentro de um canil.

Envelheço ao luar depois dos raios de sol,
Simplifico os gestos no que ainda não virou resto,
Ajoelho e devagar peço,
que será deste pequeno universo
mas na verdade se pudesse...
resumia tudo em apenas um verso.


Romir Fontoura